
Desde que iniciei este blog pensei sobre qual seria o momento ideal para publicar a história a seguir. Acho que ele finalmente chegou, pois além de considerar a passagem do ano um momento de renovação, hoje 27/12/2009, minha filha, Maria João, completa seu 1º aninho.
Mas antes de ir para o texto preciso dar um pequena explicação: logo após a morte de João, meu primeiro filho, e ainda por muito tempo depois, eu tinha muita dificuldade em dizer "morreu". Sempre tentei encontrar uma outra palavra ou expressão que representasse melhor o que a morte significava para mim. Não encontrei. Pelo menos não numa palavra, ou apenas numa expressão...
Tentei "partiu" ou "se foi", mas me pareceu completamente absurdo se ele está sempre aqui comigo... Perdi?! Como assim? Se eu sei exatamente onde encontrá-lo... "Voltou para casa", é verdade para muitos, mas não se encaixa perfeitamente na minha verdade. Não gosto da idéia de que a casa dele não pudesse ser aqui, fisicamente, junto a mim.
Acabei chegando a conclusão de que a melhor palavra é "morreu" mesmo, pois esta terá um significado diferente para cada pessoa ou, no meu modo de ver, para cada situação. Para mim "cada morte" terá sempre um significado diferente... Por isso não sei definir o que é a morte, mas sei, dizer, exatamente, através de uma "historinha meio prosa, meio verso" o que é a morte de João para mim.
Não acredito - e também não espero - que esta hitória que escrevi em 24/08/2009, faça sentido para mais ninguém. Mas para mim ela é a maior de todas as verdades, pois aprendi que a "VERDADE", "A GRANDE VERDADE", aquela que buscamos desesperadamente, é simplesmente aquela que consola nosso coração, que nos trás paz, que nos mantém bem conosco e com o mundo a nossa volta... Pelo menos esta é a MINHA verdade...
De: Mariana Para: João e Maria João ou talvez seja para mim mesmo...
Era uma vez uma menina. Mariana era o seu nome. A menina Mariana cresceu, mas continuou menina. Um dia, a menina Mariana conheceu um rapaz. O rapaz fez-se companheiro e conquistou seu coração. Eles se apaixonaram e desse amor nasceu João. Mas João não era um menino comum. Era na verdade um raio de sol que um dia, talvez por curiosidade, ou talvez por necessidade, tomou de um corpo e virou João.
João chegou numa manhã de sábado, e chegou deixando claro que não iria ficar aqui por muito tempo não. A Menina Mariana se assustou, ficou confusa e chorou. Ela queria que o menino João, sendo raio de sol ou não, ficasse por aqui um tempão. Mas ele era raio de sol... E é impossível segurar luz com a mão...
O menino João tinha um coração frágil, fraco, mas o Raio de sol era forte, guerreiro e encantador, seu sorriso era pura luz capaz de espantar qualquer escuridão.
E a Menina Mariana o amava e cuidava dele e era ela toda dedicação. A luz de João era tão forte que aquecia e agigantava o coração da Menina Mariana, que embora se recusasse a crescer, acabou por obter força e coragem para ver o novo mundo que o Raio de sol lhe levou a conhecer. Era um mundo mais duro, mais difícil, cheio de dor, ansiedade e confusão, mas também era um novo mundo de amor, de puro amor, em meio a tanta ilusão. Sim, foram tempos difíceis, hospital, agulhas, remédios, noites sem dormir. Medo de tudo, medo do dia seguinte, medo de não ver mais o menino João... Mas, também, foram tempos de aprendizado, fortalecimento e construção. Construção de um amor verdadeiro, incondicional, repleto de alegria; pois quando João sorria o mundo se iluminava e ficava tudo fácil então. Foi só com João que a Menina Mariana aprendeu o verdadeiro significado de palavras tão comuns e corriqueiras, como família, amigos, apoio, solidariedade e compaixão.
E a Menina Mariana finalmente cresceu sob a luz intensa do menino Raio de sol João e Mariana não era mais menina, era Mulher, era Mãe, era enfim Compreensão.
E foi chegado o dia, o dia que o menino Raio de Sol partiria deixando somente saudade em seu coração. Os médicos em vão tentaram, por horas a fio se esforçaram, mas como conter luz tão intensa, como manter dentro de um corpo tão frágil tanta sabedoria, tanto amor e tanta paixão, pois a medida que o corpo do menino João crescia sob o amor de sua mãe, a luz de Raio de sol crescia cada vez mais e sempre em maior proporção. Sua luz era agora mais forte e brilhante e tinha necessidade imensa de se expandir e brilhar em toda direção.
Antes de ir pediu um beijo a sua Mãe Mulher Mariana e neste beijo acendeu a luz que ele havia plantando naqueles três anos e meio no seu coração. A mãe mulher Mariana na hora não percebeu que a luz se acendeu, tal era seu medo, pavor e apreensão. Mas, enquanto os médicos tentavam a mãe mulher Mariana, ainda que com medo e assustada, sentindo tamanho aperto em seu coração, foi inspirada em oração; e com certeza não sozinha estava quando com bravura e compreensão entregou o Raio de sol de volta ao Pai Maior esperando que assim tivesse fim a total escuridão.
Então veio a notícia. O Raio de sol partira levando o pequeno grande João. E neste momento a luz se apagou, fez-se o pranto, a dor e novamente a incompreensão. A mãe mulher Mariana esqueceu-se da promessa e de toda decisão, novamente virou menina e embora não parecesse, pois chorava brandamente, xingou, se desesperou e desejou que a terra se abrisse e dela saísse todo mal e podridão e que engolisse a tudo e a todos, tal era o seu ódio e sua decepção. E ficou neste estado, de desespero calado, até a total exaustão. E daí por diante tudo era nuvem e confusão, vôo de volta para casa, velório, enterro, multidão...
Mas o amor da família, pais, amigos, do rapaz companheiro e dos irmãos conseguiu pouco a pouco reacender a luz plantada por João. E o Pai Criador junto com o Raio de sol João a perdoou por serem puro amor e pura compreensão, pois entendem toda dor de uma mãe quando não mais pode ver seu filho com o sentido da visão.
A mãe mulher Mariana seguia sua vida ao lado do seu rapaz companheiro. Eram felizes, é verdade, apesar de toda saudade que havia em seus corações. De vez em quando ainda choravam e claro sentiam muita falta do pequeno grande João. Mas o tempo acalma tudo e embora a saudade, tinham certeza, nunca deixaria seus corações, eles conseguiam viver a vida sem maior complicação.
Mas a mulher Mariana se esforçava para ser apenas, esposa, filha, tia, amiga, profissional, irmã. Não que não fosse mãe, claro que era, mas sentia falta de ser chamada por este nome, sentia falta de barulho de criança, choro, pedido de colo, reclamação.
Foi então que o Raio de sol João teve uma idéia e segredou ao Criador sua nova invenção: que tal mandar para mãe mulher Mariana a flor mais linda do jardim da redenção? E o Pai Criador feliz e orgulhoso da bondade de seu filho João concordou imediatamente e tomou a decisão: manda Maria olhos de céu. Ela será pura diversão...
E assim foi. A mulher mãe mariana encheu seu ventre novamente de esperança e resolução e recebeu em seus braços a flor mais linda do jardim de João...
Desde o início ela sabia que era uma menina linda que estava se formando então, pois em um sonho o Raio de sol lhe sussurrou: Mãe, é Maria esta menina, a flor mais perfumada do meu jardim de irmãos... E então esse é o nome da menina que virá. Maria de João, Maria João para o nosso coração alegrar. Nome estranho, disseram alguns, mas como poderia então mudar, se é Maria de João, não há como negar.
E então ela chegou linda e perfumada, uma flor. Seus olhos são duas contas, olhos de céu, devo falar e seu sorriso é uma festa que só Raio de sol soube engendrar.
E Mãe Mulher Mariana traz aceso em seu coração, a luz plantada pelo Raio de sol João e quando esta luz, por algum motivo, pensa em se apagar Maria João a acende com apenas um olhar.
Então é esta a história de Mariana. Menina que recebeu um Raio de sol e virou Mãe mulher.
Mãe de Maria. Mãe de João.