quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

De: Giovana Para: Bia

Depois que me casei e comecei a pensar em ter um filho, sempre desejei que fosse um menino. Não sei ao certo o porque disso. Sempre que me perguntavam eu dizia que era porque eu achava que menino dava menos trabalho, que menina era cheia de "frescurinhas" - lacinhos, fitinhas, babados etc e que eu não tinha muita paciência para isso. Talvez fosse um certo patriarcalismo, descabido, é verdade, nos tempos modernos, mas que estava aculturado na minha cabecinha de vento... (bom, com certeza era de vento, pois a justificativa era, no mínimo, imatura e míope, né?). Outro motivo que costumava apresentar era que sempre me pareceu que as meninas eram mais apegadas aos pais e os meninos à mães. Realmente não sei dizer porque eu acreditava nisso, mas o fato é que antes eu realmente preferia ter um menino do que uma menina.
Também não sei ao certo quando foi que isso mudou dentro de mim. E agora me parece ser a coisa mas sem nexo do mundo. Justo eu que tenho tanto amor, respeito e admiração pelas mulheres da minha família? Justo eu que amo tudo que diz respeito ao Sagrado Feminino? Justo eu que tenho verdadeira paixão pelo poder, complexidade e dualidade da psique feminina? Como assim não queria ter uma filha???? Decididamente já faz algum tempo que isto não é verdade para mim... Não que eu agora prefira ter filha. Na verdade agora eu prefiro ter filhos, sejam eles homens ou mulheres... (E que fique bem claro que esta é uma opção pessoal, pois acredito que filhos devam ser sempre uma opção e não uma obrigação). Como eu disse, não sei quando exatamente isso mudou, mas sei que foi depois do nascimento de João, pois foi só depois de João que eu deixei de ser "Menina Mariana" para ser "Mãe Mulher Mariana" (se vc não entendeu, leia a postagem “"Era uma vez..." de 13/12/2009” ). Foi só depois que me transformei em "Mãe Mulher Mariana" que consegui enxergar a beleza e a sabedoria das Mulheres que estavam a minha volta, que faziam e fazem parte da minha vida... e porque não a minha prória beleza e sabedoria...
Hoje tenho uma filha, uma menina e tudo que desejo é que possamos juntas dançar "A Ciranda das Mulheres Sábias", uma perspectiva do feminino que me foi apresentada por Clarissa Pinkola Estés, mas que na verdade sempre esteve ao meu alcance na minha relação com a minha mãe, ou ali mesmo do meu lado, por exemplo, na relação de minha irmã com sua filha. É nesta ciranda de relações que juntas aprederemos, eu e minha filha, uma com a outra, a sermos cada vez mais sábias e por isso mais felizes... O texto a seguir, escrito por Giovana (minha irmã mais velha), é só uma pequena amostra, de como diria Clarissa, "da mulher em processo permanente de tornar-se sábia, ao ensinar as jovens e se reenraizarem na vida da alma... "Jovens" significando qualquer uma com menos conhecimento, menos experiência do que ela própria. Esses ensinamentos se estenderão muito adiante, dando a verdadeira vida, e não permitindo o rompimento da linha matrilinear... Nós somos as herdeiras. Todas nós pertencemos a uma linhagem longuíssima de pessoas que se tornaram lanternas luminosas a balançar na escuridão, iluminado o prório caminho e os passos de outras... Suas luzes continuam a oscilar no escuridão... através de nós... podemos ter inspirações a partir das suas inspirações. Desse modo, nos também aprendemos a passar oscilantes pela escuridão. Uma mulher assim iluminada não consegue encontrar o próprio caminho, sem também lançar luz para outras."

De: Giovana Para: Bia

"Para minha mãe, Para minha filha, Para minha neta....
Queria tanto conhecer seus pensamentos, saber o que você precisa, saber dizer para você algo que realmente te ajudasse e fizesse sentido dentro do seu modo de ver a vida. Era fácil amar e cuidar de você quando era minha menininha. Agora, eu me pergunto todos os dias “será que consegui cuidar bem desta pessoa? Consegui passar pelo menos parte das coisas que sei que vai precisar ao longo da vida? Consegui fazê-la entender que pode contar comigo sempre e que eu a amo com todo meu coração?”. Não sei.
Sei que você cresceu. É quase uma mulher. Já não posso mais decidir o que vc vai fazer, o que pensa, em que acredita, o que é bom ou mau, certo ou errado. Espero ter te ajudado a decidir estas coisas. Se não fiz, me perdoe. Eu tentei e quis isto todos os dias da minha vida. Mas eu também era uma menina. A gente nunca é grande o suficiente para ensinar a ninguém. Vc vai entender isto.
Sei também que, - apesar de eu continuar em cima de você, te enchendo para arrumar o quarto, cuidar de Leo, colocando horário para vc vir para casa, dizendo onde vc vai ou não – nosso tempo como mãe e filha está acabando. E está nascendo um novo tempo, em que meu grande desejo é ser sua amiga. A melhor. Não aquela que vc conta seus segredinhos, que é a primeira a saber dos “causos”, a companheira de gargalhadas. Esta função eu quero também, mas não preciso ser a primeira.
Eu quero ser aquela para quem vc corre quando estiver triste. Quando seu coração estiver em dúvidas quanto ao melhor caminho. Quero ser a que vc sabe que, mesmo quando fizer a maior besteira do mundo, vai estar firme, mesmo com o olhar meio zangado, mas com o coração totalmente alinhado com sua dor, com suas dúvidas. Vc entende isto, filha querida? Entende que eu realmente posso ajudar porque passei por tudo que vc vai passar?
Minhas respostas nunca serão as suas. Somos pessoas diferentes, colocadas juntas por benção de Deus. Mas se estamos juntas é porque temos sim, o que ensinar e aprender uma com a outra. Por favor, não esqueça disto em seu caminho futuro, que está cada dia mais perto de você e que te leva, inevitavelmente, para longe de mim, e para perto de novos amores, novas descobertas, novas alegrias e novas dores.
Mas eu sei esperar. Esta é a função maior de uma mãe, de uma amiga de verdade. Falar apenas quando consultada, ficar de longe, vendo vc andar sozinha, quebrar a cara, rezando baixinho que venha me procurar e perguntar minha opinião para que possa tentar evitar algumas dores. Algumas. Todas seria impossível.
E, no final, suprema alegria no meu coração, ver vc olhar para mim e perceber que vc entendeu, finalmente, tudo que eu te disse ao longo de sua vida – até mesmo esta carta que talvez não faça sentido para vc. Perceber que vc sabe que eu te amei muito e que fiz sempre o melhor que pude. Exatamente como sei que vai fazer com sua filha, minha neta ( que é para demorar muito ainda, viu? Olha lá!!! – desculpe, não resisti em dar uma de mãe).

Não se esqueça de dizer a ela que é preciso se cuidar sempre, do corpo e da alma, para que a vida seja boa até o fim. Eu não fiz isto e hoje, aos 35 anos, muitas vezes me sinto uma velha. Diga que nada nesta vida é tão importante que mereça nosso desespero. Algumas lágrimas, um tempo de luto e pronto. A vida continua e deve ser assim.
Diga que nada pode ser tão bom quanto o tempo de colégio e que ela aproveite bem o dela. E chore quando terminar cada etapa e não deixe passar em branco estas despedidas e faça como a mãe dela fez – escrever cartinhas para dizer a todos o quanto os ama! Isto será um momento inesquecível. E são eles que fazem a vida valer a pena.
Diga que o amor é a coisa mais maravilhosa da vida, mas não é fácil de ser encontrado. Diga que não troque a solidão por um amor pela metade. Não vale a pena. Diga que ela vai ter que ter muita atenção e esperteza para perceber que o amor verdadeiro( haverão muitos que não são, com certeza) chegou e mais ainda para fazer com que ele dure. Mas que esta vai ser a melhor luta que terá.
Diga que ela vai chorar muitas e muitas vezes na vida, sozinha, na cama, com a certeza de que ninguém entende sua dor. E vai ser verdade, em parte. Porque se ela correr para vc, tudo vai ficar mais fácil. Diga que ela nunca esqueça que tem uma família que a ama. A família é o abrigo de anjos que Deus colocou na terra para gente. Não deixe ela perder isto.
Diga que vão haver momentos de grande alegria – o primeiro emprego, o primeiro amor, o casamento, os filhos. E que todos devem ser curtidos com entrega total, sem medo. Porque ela merece. Todos nós merecemos ser felizes. Mas, diga que a felicidade não é algo externo ao nosso coração. Não depende dos acontecimentos, mas de como estamos com a gente mesmo. E isto é lição mais difícil. Eu nunca consigo pôr em prática direito.
Diga que ela vai precisar trabalhar muito para ter o que quer – casa, carro, viagens, roupas. E vão ser grandes conquistas. Mas lembre a ela que precisamos de muito pouco para viver. Quase tudo que juntamos em uma vida é supérfluo. Passaríamos sem. Portanto, que ela nunca troque um bom dia de conversa com um amigo, uma tarde com crianças numa creche ou uma manhã na praia com os filhos, pelo trabalho. Será uma troca injusta.
Diga que Deus pode ou não existir para ela. Mas que o amor a si mesmo e aos outros nunca pode ser uma dúvida. Diga que a religião pode não ser uma opção. Mas que a busca da paz, da harmonia e da consciência tranqüila rege a vida de todos nós e é preciso seguir esse caminho.
Por fim, diga a ela que sua mãe te disse tudo isto. Que sua mãe tinha mania de querer se meter na sua vida e de achar que sabia o que era melhor para vc. Diga que muitas vezes sua mãe te chamou no quarto e começou a falar um monte de coisas que não tinham nada a ver com o que vc queria , mas que vc a amou pela intenção (espero).
Diga tudo isto a ela. E vai ter de volta aquela cara de quem está pensando “ esta minha mãe é meio maluquinha”... E eu, esteja onde estiver, vou estar vendo isto e cochichando no seu ouvido. “Não se preocupe. Ela vai entender um dia. Quando tiver uma filha...”.

Com muito, muito amor. Sua mãe. Sua amiga.
06 de dezembro de 2007.