segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Politicamente incorreto ou racismo?

Sobre este tema, escreveu muito bem uma grande amiga que admiro e respeito muito. Não só pela sua inteligência e sensibilidade - que a tornam capaz de escrever excelentes textos, principalmente do tipo: "isso dá o que pensar..." - mas pela sua coragem em ser, para o mundo, o que ela realmente é. E para isso, caros leitores, é preciso muiiiiita coragem...
Recebi este texto por e-mail. Na verdade era uma resposta a um outro e-mail que ela havia recebido e cujo tema era: O uso do "nego" e do "neguinho". Racismo ou politicamente incorreto? O e-mail que ela recebeu discorria sobre a reflexão de uma pessoa logo após ler a expressão "neguinho" na frase de uma atriz famosa:''O lado ruim, horroroso da fama, é você estar, por exemplo, tomando um suco com o irmão e neguinho fotografa e diz que você está com um homem misterioso...''. Então esta pessoa começa a pensar: "E aí, o termo é preconceituoso ou é coisa da minha cabeça tentando ser politicamente correto. Coisa que eu abomino, mas vira-e-mexe, me pego fazendo....?" Lendo sobre o assunto, ela se deparou com o seguinte comentário no blog do Alex Castro: "Por algum misterioso e inconsciente mecanismo, alguém que não concorda com você ou que tem atitudes estranhas, inexplicáveis, insuportáveis e/ou arrogantes, seja nos seus textos, seja em conversas informais pelo Brasil afora, é chamado de "nego". Não de "sujeitinho" ou de "carinha", mas de "neguinho". Quem concorda ou age como você nunca vai cair na categoria de "neguinho". Certamente quem usa essa expressão não está indignado com as atitudes da negraiada, nem pensa em termos de raça quando fala "neguinho não tem noção". Mas provavelmente esse costume deve ter uma origem, esfumaçada pelo tempo, onde havia um componente racista." Ela acaba por concluir: "Pare pra pensar. Na maioria dos casos, realmente, usamos a expressão "nego" ou "neguinho" pra designar o outro, o estranho, mas sempre com um componente negativo. "Nego" ou "Neguinho é aquele que, em geral, faz coisas que eu não faria." Ela termina o e-mail propondo que voltemos a fala da atriz.
Quando li esta parte do e-mail, antes da resposta da minha amiga, fiquei também fazendo o mesmo processo de reflexão: o que eu penso disso? Concordo ou discordo? Não acredito em imposição de comportamento e por isso nunca acreditei em comportamento politicamente correto. Acredito sim em: ouvir, perceber. Refletir, compreender. Intenarlizar. E só então, realmente mudar... Confesso que o argumento do tal Alex, por ser lógico, real e pertinente mesmo, me deixou confusa... Mas meu pai sempre usou a expressão "minha nega", por exemplo, e decididadamente não havia outra conotação, senão carinho... e aí é preconceito ou é o bem dito "politicamente correto" querendo se estabelecer sem sentido real...
Mas a resposta da minha amiga coloca muito bem a situção... "Net, net, diriam os indianos, nem isso e nem aquilo..."

De: Alba Para: Todos
"Oi querida...vale responder...
Também detesto o politicamente correto...ele traz explícita a hipocrisia e implícita a continuidade da não aceitação seja lá do que for...mas o 'eu não aceito, não gosto e não compreendo' subsiste, acoitado pela "fina educação" que impõe o tratamento...mas ainda assim, para além dos lábios está a verdade...
Ficava sempre imaginando a história dos empregados domésticos: nunca chamei empregada doméstica de secretária. Primeiro porque ela não é uma secretária, são funções diferentes. E também porque sempre vi que as inúmeras patroas de "secretárias", assim as chamam, pensando estar no auge da educação e modernice, mas ainda não permitem que essas pessoas comam a mesma carne que elas, entrem na sala, usem o mesmo elevador, as abracem sem medo e lembre-se de seus aniversários... Continuam com aquela mentalidade escravagista que é tão entranhada em nossa classe mediazinha, em nossa burguesiazinha... Não há reconhecimento da dignidade do trabalho dessas pessoas, e da necessidade tamanha que temos delas para seguir com nossas vidas burguesas... Sem elas e sua disposição para fazer nossas camas, para lavar e passar nossas roupas, cozinhar nossas comidas não poderíamos nos apresentar no mundo Maior, mais Bonito, mais Interessante das vaidades profissionais, das reuniões sociais e de todas aquelas coisinhas fakes que tanto damos importância... well, well...
Outro dia vi uma ex-colega de colégio, no supermercado fazendo compras, ela apontando os produtos que queria e a 'secretária' pegando. Fiquei pensando naquele dedinho apontador incapaz de pegar a Q-boa na prateleira... ou outro dia, outra figurinha desse mesmo colégio que tanto amo, mas que produz aberrações também, ou melhor, que acolhe aberrações, deixando o seu baby na escola, de manhã cedinho, andando na frente bolsa a tiracolo, e a babá atrás, carregando o bebê ainda no maternalzinho (não tinha dois anos, acho...) Fiquei pensando...é, não carregamos nem nossos filhos, em nome das castas sociais...e perdem-se tantos momentos de cuidar pessoalmente da cria... Se fossem duas ou três crianças, que não se dá conta de levar e trazer da escola, vá lá... E ainda por cima a farda, para diferenciar e não haver qualquer dúvida sobre quem é quem...
Então, me pergunto: secretária para quê? Se não sou grata, se não respeito, reconheço, vejo e digo da minha necessidade da sua existência, da sua importância? Secretária para quê, se me torno um incapaz de fazer coisas mínimas a respeito da minha vida como lavar as próprias roupas, comprar a própria comida e, remotamente, até preparar um cafezinho para nós duas? Passar um café para a "secretária"???
Realmente não respeito os politicamente corretos. Respeito os conscientes que transcendem essas divisões... é o mesmo que se dá com o neguinho... Neguinho é sempre o outro. É uma herança. Mas que pode ser não validada na medida em que vemos o caráter sócio-histórico e ideológico por trás do tal neguinho lá, e vamos além das diferenças... internamente, de dentro para fora...
Quando estive no Canadá, me apaixonei pela Manitoulin Island, uma ilha grande na província de Ontario, quase que totalmente sob influência dos índios nativos norte americanos. Claro que quando me maravilhei e honrei aquelas nações, aquele povo, dormindo com eles, comendo da comida deles e tentando pertencer naquele momento àquela beleza ímpar (quem me conhece sabe que adoro a cultura indígena), perguntei algo a um canadense sobre onde estavam os índios? E ele, como os outros que estavam perto me olharam fulminantes, com tamanho horror de mim, e me respondeu rispidamente: Você quer dizer os first nations, ou os primeiros nativos das grandes nações...Wow!! Quase morri de vergonha e medo mesmo de ser linchada, mas não vi nenhum daqueles senhores reverenciarem e mudarem a miséria em que os first nations ainda vivem, pobres e fora de lugar. Não vi eles nadando com as indiazinhas naquela água tão fria daqueles lagos tão exuberantes... Os arremedos... Pois é... eu e meu índio politicamente incorreto, mas cheio de amor e admiração. Cheio de aceitação... de curiosidade, de respeito... de reverência pela forma daquelas pessoas de verem o mundo... foram dias muito bonitos os que passei com eles... Aprendi muita coisa...
Infelizmente não sou politicamente correta, até mesmo com o neguinho, diante de minha própria condição de neguinha.. .rsrs Mas a consciência chegando, naturalmente vão se desvanecendo as cores, as nações, as funções sociais.. .pela consciência, esse processo aí que você ficou fazendo! Ahaa! É isso que está por baixo do que digo, falo, faço? Hummm...
Aposto que se sair mais algum neguinho, será um dos últimos que você dirá. Não porque você é politicamente correta, mas porque você compreendeu e aceitou a nossa humanidade, de todos, de mim e do outro que me antagoniza naquele momento, mas humanamente iguais... e tudo se desidentifica. Aí, não falamos mais. Ou se falamos, falamos um neguinho carinhoso, meu neguinho, minha neguinha... minha empregada que cuida muito bem de mim, meu funcionário fiel, minha sogrinha, meu vizinho, minha madrasta, meu filho adotivo do coração... meu professor que fez aquilo que sou hoje, meu padeiro, e por aí vai.. .Não é fantástico?!
Net, net, diriam os indianos, nem isso e nem aquilo... nem muito e nem tão pouco. Nem neguinho, nem hipocrisia, mas profunda aceitação do outro e de nós mesmos... e aqueles que, de repente, não significam nada para nós porque nos antagonizam, passam a ser parte da gente, ou são mesmo a gente em muitas outras condições.
Um avião cai e todos morrem: neguinhos, first nations, europeus, branquinhos, japas dos olhos puxadinhos, aborígenes... todos morrem.
Todos morrem e todos fedem.
Todos fedem e viram adubo nessa terra maravilhosa.
Viram adubo e florescem lindas flores, lindas rosas, tulipas, margaridas... enfim..."